Drogas

Informação Científica de Base

Introduction

Este módulo foca-se principalmente na canábis (também conhecida como marijuana, haxixe ou erva, entre outras designações), que é uma droga psicoativa extraída da planta cannabis.

No texto abaixo, encontra informação para desmistificar mitos comuns acerca da canábis e clarificar as principais questões que lhes estão associadas (o professor / dinamizador da atividade deve ter estas informações presentes ao dinamizar as sessões).

O que é a canábis?

What is cannabis?

Canábis (ou marijuana) refere-se a um grupo de três plantas com propriedades psicoativas, conhecidas como Cannabis sativa, Cannabis indica e Cannabis ruderalis. Quando as flores dessas plantas são colhidas e secas, obtém-se uma das drogas mais comuns do mundo. A canábis é composta por mais de 120 compostos, conhecidos como canabinóides. Os dois canabinóides mais conhecidos são o canabidiol (CBD) e o delta-9-tetrahidrocanabinol (THC). O CBD é o segundo composto químico mais prevalente encontrado na cannabis e recentemente tornou-se popular como tratamento alternativo para algumas condições de saúde. Pode ser derivado do cânhamo ou da canábis. O THC é o principal ingrediente psicoativo da canábis. O THC ativa o sistema de recompensa do cérebro ativando a libertação da dopamina química do cérebro.

Figura 1. Plantas de canábis

Pixabay: https://pixabay.com/photos/marijuana-herbal-cannabis-hemp-5858148/

Talvez nenhuma outra planta cause tanto debate e equívocos públicos como a canábis. O seu uso e popularidade ao longo dos tempos levaram a que fosse considerada um super medicamento por alguns, estigmatizada como mal na sociedade por outros; e muitos outros pontos de vista dentro deste espectro. Na última década, a legalização da droga para uso recreativo em muitos países e a ampla disponibilidade de informações sobre os benefícios aumentaram ainda mais os equívocos públicos. Existe um grande conjunto de informações disponíveis sobre os seus riscos e também sobre os seus benefícios. Muitas vezes, as informações são dadas na Internet sem as devidas referências. Mais à frente, veremos o que os cientistas e os profissionais de saúde têm a dizer sobre os mitos mais comuns sobre o uso de canábis fundamentados em estudos científicos.

More information about the health effects of cannabis can be found from: https://docs.google.com/document/d/1kxisOjHc0qINFXhWvmdmMAJyjp7V9JmgfWXDhCKeuyk/edit

Myths about drugs

Mito nº 1: A canábis não é perigosa para a saúde

Tem sido argumentado que a canábis não é assim tão perigosa para a saúde, ou mesmo que é benéfica. Este mito está amplamente difundido, tendo como principais explicações as ideias de que as outras drogas são muito mais tóxicas e de que a canábis para fins medicinais está a ser usada como medicamento alternativo em vários países.

No entanto, de acordo com evidências científicas, a canábis tem sido associada a muitos impactos negativos na saúde (Figura 2). Os riscos mais importantes incluem doenças mentais [3], doenças cardiovasculares [4], doenças pulmonares [5] e cancro dos pulmões e dos testículos [6]. Alguns grupos de risco, como os adolescentes e as mulheres grávidas, são especialmente vulneráveis ao uso de canábis. Além disso, o fumo passivo é prejudicial, pois o fumo passivo de canábis é muito semelhante ao fumo do tabaco em termos de propriedades físicas e químicas [7]. O uso de canábis está também relacionado com dependência, aumenta o risco de uso de outras drogas e foram relatadas overdoses.

Figura 2. Cannabis health effects.

Mito nº 2: A maioria dos jovens pode consumir canábis sem problemas

Como muitos jovens usam canábis, há uma forte crença de que o seu uso não traz riscos. No entanto, de acordo com diversos estudos, o uso de canábis, especialmente durante a adolescência e início da idade adulta, pode danificar a zona do cérebro associada à aprendizagem e à memória [8]. Alguns estudos sugerem que o uso regular de canábis na adolescência está associado a alterações na conectividade e redução de volume de regiões cerebrais específicas, envolvidas numa ampla gama de funções executivas, como a memória, a aprendizagem e o controle de impulsos, em comparação com pessoas que não usam [9]. Igualmente importante, de acordo com estudos, o uso regular de canábis durante a adolescência pode levar a um desempenho escolar pior e a taxas mais altas de abandono escolar [10]. Foi demonstrado que as alterações cerebrais estruturais causadas pelo uso de canábis por adolescentes e jovens adultos são permanentes – os pontos de QI que são perdidos não são recuperados com a idade [11]. O risco do consumo de canábis provocar danos é tanto maior quanto menor a idade de início do consumo e quanto maior a frequência de consumo, bem como a dose e a potência da substância [12]. A idade é um factor importante pois o funcionamento cognitivo parece ficar mais prejudicado em adolescentes que são consumidores frequentes do que adultos. [13]

Mito nº 3: Se a canábis tem usos medicinais, então é uma substância segura para todos

Com base em estudos realizados, as terapias com canabinóides (principalmente contendo CBD) podem ter um papel coadjuvante no controle da ansiedade ou dos distúrbios de stress [14]. No entanto, algumas pesquisas também mostraram que pode produzir sentimentos de ansiedade, pânico, paranóia e psicose. Existem atualmente mais três usos reconhecidos para a canábis ou produtos derivados da canábis: náuseas e vómitos relacionados com quimioterapia, anorexia relacionada com fases avançadas do HIV e alguns tipos raros de epilepsia infantil [15]. Não há consenso sobre os benefícios para outras situações de saúde, incluindo para doenças psiquiátricas. Está melhor?

Quando aprovada para fins medicinais, a canábis é um produto específico com concentrações fixas de determinados canabinóides, como canabidiol (CBD) e delta-9-tetrahidrocanabinol (THC) (Figura 3). Além disso, tem vindo a ser discutida a importância da relação CBD/THC. Na canábis medicinal, foi demonstrado que a proporção desempenha um papel crucial na melhoria do bem-estar físico e funcional de pacientes com cancro cerebral [16]. Apenas em produtos sujeitos a controlo farmacêutico a concentração e as doses de CBD e THC podem ser reguladas.

Figura 3. Canábis e produtos contendo certas concentrações de canabinóides.

Mito nº 4: A canábis melhora o humor e promove a saúde mental

É sabido que o THC da canábis deixa quem a consome num estado alterado. Pode levar a que o consumidor se sinta feliz, relaxado, a falar ou rir mais do que o normal. Pode achar que as cores e a música são mais brilhantes e nítidas. Os efeitos exatos sobre o humor variam muito de uma pessoa para outra, mas geralmente as emoções são exageradas de uma forma semelhante aos efeitos de intoxicação por álcool [17].

Esses efeitos “positivos” surgem a curto prazo, enquanto o seu uso a longo prazo está associado a um grande número de efeitos negativos sobre a saúde mental. Tal como o álcool, a canábis e os produtos que contêm THC são intoxicantes e podem contribuir para o comprometimento do raciocínio e aumentar a suscetibilidade a problemas de saúde mental, incluindo depressão, insónia e delírio [18]. Existe um risco significativo de recaída ou agravamento dos sintomas para indivíduos com transtornos psicóticos [19]. O uso regular de canábis está correlacionado com um risco aumentado e/ou o agravamento dos sintomas em indivíduos com ansiedade, depressão e doença psicótica [20]. Existem algumas evidências que mostram uma ligação entre o uso de canábis mais forte e doenças psicóticas, incluindo esquizofrenia, mas as evidências ainda são escassas e os mecanismos não são totalmente compreendidos [21].

Mito nº 5: A canábis não provoca dependência

Este mito é baseado no facto de apenas cerca de 9% dos utilizadores de canábis preencherem os critérios para dependência em algum momento da vida. No entanto, se observarmos as pessoas que começam a usar canábis na adolescência (quando o cérebro ainda está em desenvolvimento e é bastante vulnerável), verifica-se que têm quatro a sete vezes mais probabilidade de desenvolver um distúrbio do que os adultos [22]. Dados recentes sugerem que 30% dos indivíduos que usam canábis regularmente podem desenvolver algum grau de perturbação associada ao seu uso [23].

Também foi demonstrado que as variedades atuais de THC são mais fortes, originando dependência fisiológica e síndrome de abstinência, requerendo tratamento específico para abuso de substâncias [24]. Quando utilizadores crónicos de canábis tentam parar abruptamente, os sinais da síndrome de abstinência são comuns: inquietação, irritabilidade, agitação, hiperatividade, insónia, náusea, cólicas, diminuição do apetite, sudorese e aumento dos sonhos [25].

Mito nº 6: Canábis é uma droga de entrada para outras drogas

Aqui, as evidências são pouco claras e a causalidade não está confirmada, mas observa-se que a maioria das pessoas que usam outras drogas começou com canábis. No entanto, isso não significa que quem usa canábis passará a usar outras drogas, mas uma certa percentagem de utilizadores de canábis irá fazê-lo. Se compararmos a prevalência de consumidores de canábis com consumidores de outras drogas, a canábis é muito mais frequente na maioria dos países [26]. No entanto, com base apenas na prevalência, não podemos estabelecer conexões entre o uso de longo prazo e a hipótese da porta de entrada para outras drogas.

Um estudo longitudinal de 25 anos descobriu que o uso de canábis está significativamente associado ao abuso e dependência de outras drogas ilícitas, particularmente quando o início é na adolescência [27]. Dois estudos diferentes com gémeos investigaram se o consumo precoce de canábis tem ou não relação com o abuso ou dependência subsequente de outras drogas ilícitas. Os resultados mostraram um risco duas a cinco vezes maior do gémeo que usava canábis, comparativamente com o que não o fazia [28], [29].

Outra explicação é baseada na neurobiologia cerebral: a diminuição da sensibilidade à recompensa e o aumento da sensibilidade à expectativa sobrecarregam o circuito de controle do cérebro [30]. Por outras palavras, os circuitos de memória recompensam a expectativa e aumentam a motivação para consumir a droga. Em conclusão, as provas são contraditórias, mas a associação parece existir para muitos consumidores de canábis.

Mito nº 7: Não se pode ter uma overdose com canábis

Não se morre diretamente de canábis, no entanto é possível ter overdose, ficar fisicamente doente (náuseas, vómitos) e experimentar extrema ansiedade, paranóia e psicose de curto prazo (perda de contacto com a realidade). Estes efeitos podem demorar várias horas a desaparecer. Uma overdose de canábis não acontece com frequência, mas o risco existe quando se consomem produtos não regulados, em que não se pode medir com precisão a dosagem e conteúdo de canabinóides. Como a prevalência do consumo de canábis na maioria dos países é muito mais elevada do que em relação a outras drogas, os efeitos secundários da canábis originam muito mais idas às urgências do que outras substâncias [31].

A overdose também pode resultar no agravamento de uma condição psiquiátrica, particularmente psicose: paranoia, ver e ouvir coisas e pensamentos delirantes. O canabinoide THC da canábis pode piorar esses sintomas, podendo ser necessária medicação antipsicótica para reduzir os sintomas. Um outro motivo para a ida ao serviço de urgência é a Síndrome da Hiperemese por Canabinóides (CHS) [32], uma condição causada pelo consumo prolongado de canábis e que provoca episódios recorrentes de náuseas, vómitos, desidratação e dor abdominal.

A toxicidade aguda por consumo recreativo de canábis foi estudada no Alasca [33]. A neurotoxicidade é comum após exposições agudas à cannabis. Crianças que estiveram expostas não intencionalmente dentro de casa tiveram, em alguns casos, reações fortemente adversas. Produtos concentrados, como resinas e concentrados líquidos (óleo), foram associados a maior toxicidade do que outros produtos de canábis. Um outro aspeto discutido na literatura científica são os efeitos da canábis medicinal na overdose e mortalidade por opiáceos. Aqui as evidências são realmente mistas e recentemente a associação tem sido questionada [34].

Em conclusão, a associação parece existir para vários consumidores de canábis; Mas, novamente, estes são estudos de associação e a causalidade não é clara.

Mito nº 8: O fumo passivo de canábis é seguro

Como acontece com qualquer outro tipo de fumo passivo [35], as substâncias tóxicas e cancerígenas do fumo passivo de canábis podem ser facilmente inaladas por crianças. Tem muitos produtos químicos, como o fumo do tabaco, incluindo aqueles associados ao cancro de pulmão.

O fumo passivo da canábis também contém THC, o composto responsável pela maioria dos seus efeitos psicoativos. O THC pode ser transmitido a bebés e crianças através do fumo passivo, e as pessoas expostas ao fumo passivo podem experimentar efeitos psicoativos [36]. Estudos recentes encontraram fortes associações entre relatos de ter alguém em casa que consome canábis (por exemplo, um pai, parente ou cuidador) e a criança ter níveis detectáveis de THC [37]. Foi demonstrado que bebés expostos ao fumo passivo correm o risco de desenvolver a síndrome da morte súbita infantil (também conhecida como SIDS) [38].

Considerando esses factos, o fumo passivo de canábis causa riscos à saúde. No entanto, parece ser improvável que afete pessoas que experimentam exposição limitada em ambientes bem ventilados.

Mito nº 9: A cannabis é legal em Portugal

O consumo de drogas, incluindo a canábis, é ilegal em Portugal e punido por lei. A lei da descriminalização, Lei nº 30/2000, proíbe e penaliza o consumo de drogas. Descriminalização não significa liberalização, nem tão pouco legalização, a descriminalização significa que o consumo de substâncias ilícitas não é um crime punível com pena de prisão. O consumidor de drogas não é encarado como um criminoso e não vai para a prisão pelo ato de consumir.

Contudo, sendo o consumo de drogas ilegal, é uma contra-ordenação, punível com as medidas e sanções adequadas ao perfil do consumidor indiciado, como a coima (pagamento de uma multa), proibição de se ausentar para o estrangeiro, apreensão de objectos pessoais, trabalho a favor da comunidade, entre outras medidas.

Quando uma pessoa é apanhada a consumir canábis, se for maior de 16 anos, a autoridade policial notifica-a para se apresentar na Comissão para a Dissuasão da Toxicodependência (CDT) da área de residência. É instaurado um processo de contra-ordenação em relação ao qual o indiciado consumidor terá de responder, comparecendo na CDT sempre que for notificado, ficando com registo do processo de contra-ordenação por consumo de drogas e decide-se da medida ou sanção a aplicar. Quando se tem menos de 16 anos a polícia encarrega-se de chamar os pais ou representantes legais e de encaminhar o caso para as Comissões de Protecção de Menores. [39]

Produtos com cannabis para fins medicinais são legais desde que prescritos por médicos e vendidos em farmácias. [40]

Os alimentos derivados da planta Cannabis sativa L autorizados para ser comercializados na União Europeia, e que apresentam histórico de consumo seguro e significativos, são os provenientes exclusivamente das sementes do cânhamo, nomeadamente óleo de sementes, proteína de cânhamo, farinha de cânhamo, e sempre com a premissa que sejam provenientes de variedades de Cannabis sativa L contendo THC inferior a 0,2% (w/w) e desde que não apresentem na sua rotulagem / publicidade alegações de saúde e propriedades terapêuticas. [41]

Outras fontes fiáveis

https://www.unodc.org/documents/drug-prevention-and-treatment/cannabis_review.pdf